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quarta-feira, 28 de maio de 2014

SHAKESPEARE 450 ANOS: A PERMANÊNCIA DO BARDO NO SÉCULO XXI


Profa.Anna Stegh Camati

 

William Shakespeare (1564-1616) é o dramaturgo mais encenado, imitado, parodiado, citado e adaptado de todos os tempos. Foi transformado em ícone cultural e em objeto de idolatria global. Ao longo do ano 2014, que marca os 450 anos do seu nascimento, uma série de eventos celebram, em âmbito global, o patrimônio literário e cultural que o bardo legou à humanidade. No Brasil, entre as inúmeros homenagens, palestras e cursos, destacou-se o Fórum Shakespeare, uma promoção conjunta do Centro Cultural Banco do Brasil e do British Council, que foi realizado em quatro capitais brasileiras, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, onde especialistas brasileiros e britânicos discutiram e repensaram os escritos do dramaturgo e poeta. Novas montagens de peças shakespearianas, queforam levadas ao palco em 2014 ou estão programadas para estrear até o final do ano, também fazem parte das comemorações. No Festival de Curitiba (final de março e início de abril de 2014), o público teve a oportunidade de assistir a duas produções brasileiras de Ricardo III: um espetáculo solo, no qual o ator Gustavo Gasparani interpreta 21 das 54 personagens do drama histórico, além de acumular a função de narrador; e uma produção cênica ligada ao projeto “39 Shakespeare”, que pretende montar todas as obras do autor em um período de 10 anos, com previsão de apresentação de quatro novos espetáculos até o final do ano. Diante de tantas manifestações de entusiasmo e admiração, a pergunta mais frequente é a seguinte: Como se explicam a crescente popularidade de Shakespeare no século XXI e a permanência de suas obras ao longo dos séculos?

Inúmeros fatores sãoapontados para elucidar o interesse perene da obra de Shakespeare, dentre eles a energia criativa, exuberância verbal, imaginação privilegiada e compreensão acurada dos mistérios e complexidades da natureza humana que caracterizam sua produção textual. Harold Bloom, em Shakespeare:a invenção do humano(2000), afirma que o dramaturgo inventou o conceito moderno de humanidade ao retratar comportamentos,sentimentos, paixões e contradições de centenas de personagens, de diferentes gêneros, etnias e classes sociais, que ilustram a condição humana como a entendemos hoje. E, em O cânone ocidental (1995), o crítico estadunidense coloca Shakespeare no centro da tradição literária do Ocidente, apontando-o como matriz e inspiração da psicanálise freudiana.

Além disso, o apelo duradouro da dramaturgia de Shakespeare, ontem e hoje, é derivado da matriz estética de suas obras que combina elementos da alta cultura e da cultura popular. Ao mesclar aspectos do teatro clássico greco-romano com recursos da rica tradição teatral medieval, o dramaturgoconsegue agradar a todos os segmentos da sociedade e não apenas aos mais letrados.

Outro argumento, utilizado por críticos e aficionados, para explicar a sobrevida de Shakespeare na contemporaneidade, é a universalidade de seus escritos que se adaptam à produção cultural de diferentes períodos históricos e localidades. Jan Kott, em Shakespeare – nosso contemporâneo (2003), confere o estatuto de mitos culturais aos textos do bardo, destacandoHamletcomo a narrativa mais arquetípica, porque tal qual uma esponja, ela imediatamente absorve a problemática  de nosso tempo.E, entre as frases mais famosas sobre a personagem Hamlet, que se transformaram em máximas ao longo do tempo, destaca-se a observação de William Hazlitt – “Todos nós somos Hamlet” –, que equaciona o príncipe dinamarquês ao homem universal.

Shakespeare continua a dialogar conosco por conta deseu uso de múltiplos pontos de vista para relativizar questões controversas. O crítico marxista Terry Eagleton, em Marxismo e a crítica literária (1976), argumenta que é difícil confinar a visão de mundo de Shakespeare ao período elisabetano-jaimesco, uma vez que seus escritos até hoje nos intrigam, provocando reflexões e questionamentos. A multiplicidade de releituras,de cunho marxista, feminista, neo-historicista e pós-colonialista, que abordam os textos shakespearianos a partir de óticas contemporâneas, lançam luz sobre o homem de hoje e suas relações com o mundo. Eagleton acredita ser possivel estabelecer um diálogo entre Shakespeare e diversos pensadores influentes, como Sigmund Freud, Henri Bergson, Stuart Hall, Michel Foucault, Jacques Derrida e outros.

Vale ressaltar, ainda, que as inúmeras adaptações dos textos de Shakespeare, para o palco, o cinema, os quadrinhos e outras mídias,também são responsáveis pela longevidade de sua obra.Linda Hutcheon, em Teoria da adaptação (2011), faz lembrar que Shakespeare era um exímio adaptador que transferiu as histórias da tradição oral e escrita de diversas origens e culturas para o palco, tornando-as, assim, acessíveis para o público que frequentava os grandes teatros londrinos no final do século XVI e início do XVII. E, sem sombra de dúvida, as adaptações e recriações dos escritos do dramaturgo são imprescindíveis para garantir sua sobrevida: se Shakespeare, hoje, permanece e continua atual e popular em âmbito global, isso se deve não somente aos múltiplos fatores apontados acima, mas também, e principalmente, aos notáveis produtos artísticos e midiáticos realizados porencenadores, cineastas, atores e criadores dos mais diversos campos de conhecimento, que sedimentaram um vasto tecido semiótico-cultural em torno de sua obra no decorrerdos séculos, divulgando, ampliando e enriquecendoo seu legado.

Nesse sentido, o arquivo digital Global Shakespeares, hospedado no Massachussets Institute of Technology (MIT), em Boston (EUA), é um veículo de pesquisa importante, visto que reúne produções cênicas contemporâneas, de culturas e línguas diversas, que inspiram criadores e estudiosos do século XXI. O site Shakespeare Digital Brasil (UFPR), lançado recentemente em Curitiba, um projeto que consiste aproximar o público brasileiro em geral do universo shakespeariano, também constitui fonte relevante de pesquisa.

 

REFERÊNCIAS

BLOOM, Harold. O cânone ocidental. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

 

_____. Shakespeare: a invenção do humano. Trad. José Roberto O’Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

 

EAGLETON, Terry. Marxism and Literary Criticism. London: Methuen, 1976.

 

GLOBAL SHAKESPEARES.<http://globalshakespeares.mit.edu/brazil>

 

HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Florianópolis: EDUFSC, 2011.

 

KOTT, Jan. Shakespeare, nosso contemporâneo. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2003

 

SHAKESPEARE DIGITAL BRASIL. <www.shakespearedigitalbrasil.com.br>

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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