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segunda-feira, 25 de abril de 2016

LAMPIÃO: ENTRE O BEM E O MAL

Luiz Zanotti*

A idéia deste artigo é examinar o processo intermidiático da personagem “cangaceiro” presente na peça teatral  “Auto de Angicos” dirigido por Amir Haddad  e Corisco ( identificado como Lampião), em Deus e o diabo na terra do sol,  de Glauber Rocha (1964). A idéia é mostrar como a  norma extra-textual da coexistência de elementos mutuamente excludentes se encontra presente, tanto no longa-metragem de Glauber como no espetáculo de Amir Haddad.
Desta forma, trabalhamos com a possibilidade da coexistência do “mau” e do “bom”, nos afastando da grande maioria das obras sobre o cangaço, que destacam a personagem do cangaceiro – dentro de um plano imaginário – ou como um completo herói  ou como um vilão, como é o caso de  inúmeros textos literários, fílmicos e músicos, tais como: a literatura infantil (Lampião e Maria Bonita: o Rei e a Rainha do Cangaço (2005), de Liliana Iacocca e Rosinha Campos), a literatura ficcional, que vão dede o primeiro romance escrito sobre cangaço no Brasil, O cabeleira (1981), de Franklin Távola, até obras como Lampião, o Rei do Cangaço (s/d.), de Eduardo Barbosa, e Capitão Virgolino Lampião (1975), de Nertan Macedo, os filmes Lampião, o rei do cangaço, de Coimbra, e Deus e o diabo na terra do sol (1964), de Glauber Rocha, as músicas: Acorda Maria Bonita (1957), composta pelo cangaceiro Volta Seca do bando de Lampião; Mulher rendeira (s/d), composição atribuída por muitos a Lampião; bem como a trilha musical de Deus e o diabo na terra do sol (1964), de Sergio Ricardo e Glauber Rocha.
Esta posição dicotômica “bonzinho-malvado” repercute até mesmo entre renomados historiadores e antropólogos, tais como, Luitgarde Barros (2000), Frederico Mello (2005) e Maria Christina Machado (1978), entre outros, que possuem diferentes visões sobre este assunto, sendo que enquanto  Barros e Mello ressaltam o seu caráter ligado ao banditismo, procurando desmistificar a imagem mitológica de Lampião como justiceiro e ideologicamente voltado para a defesa dos fracos num combate ao coronelismo, Machado apresenta Lampião − dentro de uma perspectiva marxista −  não como um fato isolado, mas sim como o resultado de uma época em que se processava a luta surda, empreendida pelo vaqueiro contra o senhor da terra. (MACHADO, 1978, p. 6).
Pode-se dizer que tanto a teoria dos efeitos de Iser, como a estética da recepção, que tem como o seu principal artífice Hans Robert Jauss, que Iser elabora o constructo da existência de uma assimetria inicial entre texto e leitor, sendo que a estética do efeito almeja compreender o ato de leitura como uma forma particular de negociação daquela assimetria. Para tanto, investiga a estrutura própria dos textos literários, valorizando a interação específica que tal estrutura provoca.
Glauber Rocha ao filmar Deus e o Diabo vai buscar uma situação em que apresenta  Corisco como a própria constatação da coexistência de elementos mutuamente excludentes pois, no filme,  o ator Othon Bastos que encena a personagem Corisco, além de emprestar a sua voz a sua própria personagem, faz ainda uma outra voz, a do Santo Sebastião - algo mais grave que a de Corisco, a idéia de usar a mesma voz para deus e para o diabo, segundo Avellar (1995, p. 22) surgiu somente durante a montagem, de modo a que o espectador pudesse identificar uma certa semelhança entre as propostas e mais rapidamente concluir com o filme que a terra é do homem, nem de deus nem do diabo.
Esta coexistência, segundo Claudio da Costa, também pode ser percebida em um espelhamento de uma na outra, pois enquanto Sebastião tem parte com Deus e com o Diabo, como diz Antônio das Mortes, Corisco é o diabo que foi possuído por São Jorge. Esses espelhamentos dobram em ambigüidades a palavra do cego e de seus mitos. A palavra mítica, afirma Luiz Costa Lima, é verdade e engano, simultaneamente. Com as palavras de Marcel Detienne, Costa Lima nos diz que, "no pensamento mítico os contrários são complementares" (COSTA LIMA citado em COSTA, 2000, p.68).   
Assim, a existência dos mutuamente excludentes que aparecem em Virgolino e Maria, também faz parte do repertorio de Deus e o Diabo, que trabalha não somente na dualidade da voz de Othon Bastos, mas também no conflito entre Antônio das Mortes e Manuel, o matador de cangaceiros e o vaqueiro são personagens igualmente condicionados por deus e o diabo, um na forma de agir, outro no modo de pensar. 
*Professor do Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade

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