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segunda-feira, 11 de abril de 2016

Reflexões sobre “Dialética Apaixonada” de Antonio Candido


Sigrid Renaux*
Publicado em 1993, o livro Recortes, de Antonio Candido, reúne escritos sobre tópicos bastante variados, “formando uma espécie de visão circular sobre o mundo, as pessoas, a literatura”. Entre outros, apresenta textos sobre mestres tanto do pensamento brasileiro, como Alceu Amoroso Lima, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, como mestres do pensamento estrangeiro, mas “ligados com o Brasil” como Roger Bastide, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld. Como Candido explica, “muitas vezes um crítico se realiza bem nos escritos de circunstância, tanto quanto nos mais elaborados. Foi o que me decidiu juntar esses recortes, que, ao contrário dos anteriores, formam um livro solto, com textos mais numerosos sobre assuntos os mais variados”(CANDIDO: 1993, p.9).
De interesse imediato para mestrandos, as considerações de Antonio Candido sobre literatura e, por extensão, sobre literatura nacional, em “Dialética Apaixonada”, fazem-nos  refletir sobre a abrangência que qualquer análise de textos literários deve ter, independentemente da abordagem crítica adotada – seja ela estruturalista, estilística, psicanalítica ou genética, entre muitas outras. “Dialética Apaixonada” é, na realidade, uma homenagem que Candido presta a Otto Maria Carpeaux, ao discorrer não apenas sobre sua trajetória intelectual no Brasil, a partir de 1939 (perseguido pelo nazismo, teve de sair de Áustria, seu país natal), mas principalmente ao comentar sua obra prima: a História da Literatura Ocidental.
            Como Candido afirma, a respeito de Carpeaux, “sua visão universal permite transpor as limitações eventuais do nacionalismo crítico, cuja função histórica é importante em certos momentos, mas não deve servir para obliterar a dimensão verdadeira do fenômeno literário[1], que por sua natureza é tanto transnacional quanto nacional” (CANDIDO: 1993, p.92).
Se essas considerações já nos permitem visualizar o fenômeno literário como “transnacional” – diz-se de fatores, atividades ou políticas comuns a várias nações integradas na mesma união política e/ou econômica – e “nacional” – a literatura como “conjunto de obras literárias de reconhecido valor estético, pertencentes a um país, época, gênero, etc.” (HOUAISS) – , é na afirmação de Carpeaux de que, em sua obra, “A literatura é, pois, estudada (...) como expressão estilística do Espírito objetivo, autônomo, e ao mesmo tempo como reflexo das situações sociais” (CANDIDO: 1993, p. 92), que percebemos imediatamente a importância desta asserção. Pois não há como separar, numa análise do texto literário, essa “expressão estilística do Espírito objetivo” – “encarnado nas diversas criações sociais e culturais”, segundo Candido (1993, p.92) , do fato de ser igualmente “reflexo das situações sociais” que concretiza.
Este “idealismo dialético fecundo” que Candido verifica em Carpeaux pois sua obra “manifesta um movimento incessante entre os opostos, considerados não alternativas ou opções, mas condições bem-vindas de uma investigação que encara a verdade como busca da verdade” (CANDIDO: 1993, p. 93) –, mostra como no caso da história literária, pensar assim importava em abranger, num amplo movimento interpretativo unificador, tanto a autonomia da obra (concebida como manifestação concreta do Espírito objetivo) quanto a sua dependência em relação à sociedade no tempo e no espaço (concebida como matéria-prima da observação e da imaginação) pois ambas as concepções asseguram “o respeito ao mundo próprio da literatura sem desconhecimento da sua inserção no mundo”(CANDIDO: 1993, p.93).
Após citar exemplos de Carpeaux que revelam sua originalidade tanto na análise dos movimentos literários como na maneira de se ordenar autores, com “ousadia intelectual e julgamento firme” (CANDIDO: 1993, p. 94), Candido encerra afirmando que a leitura da História da literatura ocidental “é indispensável por ser uma das melhores introduções possíveis ao mundo da literatura, como fica mais evidente à medida que o leitor vai conhecendo os volumes sucessivos” (1993, p.95).
  O título “Dialética apaixonada” revela, portanto, duas dimensões de Carpeaux que só uma leitura da História da literatura ocidental poderia comprovar:
o valor do substantivo dialética que Carpeaux absorveu, segundo Candido, em Hegel;  no hegelianismo, lei que caracteriza a realidade como um movimento incessante e contraditório, condensável em três momentos sucessivos (tese, antítese e síntese) que se manifestam simultaneamente em todos os pensamentos humanos e em todos os fenômenos do mundo material (HOUAISS);
e o valor do qualificativo “apaixonada”: este amor intenso e profundo pela literatura que enobrece e determina a natureza da dialética de Carpeaux.
Que todos nós, professores e mestrandos, possamos fazer uso desta “Dialética apaixonada”, quaisquer que sejam os enfoques teóricos e as perspectivas que orientam nossos estudos literários.
Referências:
CANDIDO, A. Recortes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CARPEAUX, O.M. História da literatura ocidental. São Paulo: Leya Brasil, 2014. 10 vols.
HOUAISS. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.



*Professora das disciplinas Poéticas da Modernidade e Teorias da Poesia no Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE.




[1] Todos os grifos são da autora.

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