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sexta-feira, 19 de maio de 2017

O LAMPIÃO DE FERNANDO VILELA: NEM HERÓI, NEM FACÍNORA... DEMASIADAMENTE HUMANO.



*Luiz Zanotti


No meu artigo “O Lampião de Fernando Vilela: nem herói, nem facínora... Demasiadamente humano” busco analisar a personagem Lampião no romance gráfico Lampião e Lancelote (2007), de Fernando Vilela com enfoque em sua ambivalência.  Lampião, uma das personagens mais retratada pelas artes brasileiras, geralmente é caracterizado ou como um herói ou como um facínora, ou seja, enquanto para alguns autores, o cangaceiro é apresentado somente através de seu lado positivo de um revolucionário em luta contra o coronelato, para outros, o seu lado negativo de um bandido sanguinário é ressaltado. 

Estas duas abordagens fazem como que a personagem se torne antinômica e perca toda possibilidade de uma análise multi-interpretativa. Esta escolha se aproxima de uma visão cartesiana, onde se procura encontrar a verdade atrás de uma certa aparência.

Dentro desta abordagem dicotômica, que como veremos, Vilela vai desfazer durante o desenrolar da trama, verificamos a capa de Lampião e Lancelote (vide figura 1) já indicando uma contraposição entre a predominância da cor prateada para Lancelote e a paisagem medieval inglesa, e a cor dourada para Lampião e o sertão nordestino.

FIGURA 1
Imagem disponível em
<https://www.google.com.br/search?q=livro+lancelote+e+lampi%C3%A3o&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwi1uJq1gObTAhUED5AKHTbuD9MQ_AUICigB&biw=13
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Neste sentido, Lancelote, apesar de guerreiro, possui traços de pureza, pois a cor prata para o pesquisador Ad de Vries significa a pureza, a inocência, uma consciência pura, como pode ser verificado, na utilização do cálice de prata nas cerimônias religiosas, ela também representa a sabedoria (a língua do justo tem a cor prateada). Em contraposição temos o dourado de Lampião iconicamente ligado ao elemento fogo, que segundo Gaston Bachelard (1999), possui uma caráter duplo, mas sempre violento, seja no amor, seja no ódio e na vingança. “Dentre todos os fenômenos, é realmente o único capaz de receber tão nitidamente as duas valorizações contrárias: o bem e o mal. Ele brilha no Paraíso, abrasa no Inferno.” (BACHELARD, 1999, p.12).

Esta dicotomia simbolicamente representada pela cores traz como ponto de partida a Inglaterra (na época Bretanha) medieval, prateada, sábia e sombria governada pelo Rei Artur, como contraponto a um sertão dourado, escaldado pelo sol, pela violência, pelo sangue e pela ausência de lei. Neste panorama, Lancelote vai cavalgando pelas terras da Bretanha quando se abre um inesperado portal do tempo remetendo-o ao sertão nordestino. Neste novo espaço, o cavaleiro vai em frente até o momento em que se defronta com Lampião (Figura 2). Este encontro se dá primeiramente pela mistura das cores prata e ouro. Lampião ao avistar o cavaleiro, em meio ao calor nordestino, ordena-o a parar, iniciando um diálogo dominado por insultos mútuos.
   


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Num contexto, tanto medieval, quanto sertanejo, onde a honra é a qualidade mais importante para um homem, a disputa verbal entre os dois cavaleiros, como não podia deixar de ser, acaba por se definir pela declaração de guerra, com Lampião formando seu exército com seus cangaceiros, enquanto Lancelote chama todos os cavaleiros do Rei Arthur e até mesmo o mágico Merlin para formar seu bando prateado.

 Os bandos que num primeiro momento estão separados entram numa luta feroz que termina através de uma mistura entre o sertão e a Era Medieval (Figura 3), com Lampião numa armadura maior que ele, e Lancelote com os trajes de Lampião. A seguir, Lampião pega a sanfona e começa a tocar um xaxado em homenagem a Lancelote



FIGURA 3
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A luta é substituída pela dança, todos dançam, desde Lampião com Guinevere, Maria Bonita e Lancelote, com o autor relativizando a figura heróica de Lancelote e a imagem de um bandido sanguinário de Lampião, mostrando que as duas personagens apesar de aparentemente desiguais são muito semelhantes, ou seja, são capazes de agir violentamente para resguardar a honra, mas também são amorosos com as suas companheiras e sabem se divertir. Assim, Vilela equipara os dois cavaleiros mostrando que Lampião não foi mais violento do que o cavaleiro Lancelote, um exemplo paradigmático de herói medieval, e assim como o cavaleiro é capaz de ter um grande amor por uma mulher.
* Professor do Curso de
Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

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