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quinta-feira, 4 de abril de 2019


COMO ESCREVER ROTEIROS?

MANDAMENTOS DE ROBERT MCKEE

 

Brunilda T. Reichmann, PhD[*]

 
Como escrever um roteiro é uma das várias ideias exploradas na adaptação de The Orchid Thief [O ladrão de orquídeas], livro de Susan Orlean, publicado em 1998, e adaptado para o cinema em 2002, por Charles Kaufman, com o título Adaptation [Adaptação]. Considerando a metaficcionalidade do filme – a ansiedade que toma conta do personagem roteirista ao tentar adaptar para o cinema um livro “sobre flores” – e parodiando Harold Bloom, poderíamos sugerir a expressão “The Anxiety of Adaptation” como um título bastante apropriado para o filme, pois revelaria a moldura externa e grande parte do enredo; no entanto, podemos argumentar também que o título empregado está de bom tamanho, pois é mais abrangente, expandindo assim a expectativa do receptor. O fato é que o título do filme é apenas Adaptação, mas narrativiza no cinema, não apenas o texto de O ladrão de orquídeas, mas o angustioso processo pelo qual passa o roteirista ao tentar adaptar artisticamente um texto para a tela.
A Charles Kaufman [roteirista norte-americano, interpretado por Nicholas Cage], protagonista do filme, homônimo do roteirista norte-americano, é oferecida a tarefa de adaptar para o cinema o livro O ladrão de orquídeas, de Susan Orlean [escritora norte-americana, interpretada por Meryl Streep]. Outro roteiro de Kaufman, Being John Malkovich [Quero ser John Malkovich], estava sendo filmado com relativo sucesso, mas, ao tentar adaptar O ladrão de orquídeas, Kaufman, o protagonista  e roteirista fictícios, passa horas diante da máquina de escrever olhando para uma folha em branco, tomado pela paralisante ansiedade de querer adaptar um livro “sobre flores” para o cinema, sem utilizar fórmulas feitas ou clichês da indústria cinematográfica, menosprezados por ele como the Hollywood “thing”. No desenrolar da trama do filme, o irmão gêmeo do protagonista, Donald Kaufman, também interpretado por Nicholas Cage, decide que irá escrever um roteiro e o faz sem grandes dificuldades depois de frequentar um minicurso de três dias, intitulado “Como escrever roteiros”, oferecido por Robert McKee. Donald adere totalmente aos dez mandamentos do professor do minicurso e aos modelos dos filmes de sucesso de Hollywood. Oito dos dez mandamentos podem ser lidos antes de serem arrancados, por Charlie, da parede sobre sua escrivaninha onde Donald os afixara. A linguagem é arcaica, imitando assim o estilo dos mandamentos bíblicos. Diferentemente dos mandamentos bíblicos, no entanto, os mandamentos do roteirista contêm apenas três proibições, os outros cinco mandamentos visualizados são afirmativos:

1.   Você deve respeitar sua audiência.

2.   Você deve pesquisa sobre o assunto.

3.   Você deve dramatizar a exposição.

4.   Você deve colocar um assunto em cada texto.

5.   Você deve criar personagens complexos, ao invés de meramente complicar a história.

6.   Você não deve usar mistério artificial nem surpresa banal.

7.   Você não deve usar deus ex-machina para chegar ao seu final.

8.   Você não deve facilitar a vida para o/a protagonista.

 
Esses mandamentos são uma “reedição” dos mandamentos que McKee, conhecido professor de roteiros norte-americano, utiliza em suas aulas. Ainda outros mandamentos são explicitamente abordados pelo professor, no filme, ao falar sobre a criação de uma narrativa: não usar o recurso de voice over para revelar pensamentos de personagens (recurso utilizado desde o início do filme Adaptação) e não criar um protagonista apático (que estaria vinculado ao 5º mandamento e seria a característica primordial do protagonista de Adaptação). Os dez mandamentos de McKee são elaborados da maneira que segue:
 

1.   Você não deve tirar a crise/o ponto culminante das mãos do protagonista. O mandamento anti-deus ex-machina.

2.   Você  não  deve  facilitar  a  vida para o/a protagonista. Não há progresso em história sem conflito.

3.   Você não deve incluir exposição pela exposição. Dramatize-a. Converta exposição em munição.

4.   Você não deve usar mistério artificial ou surpresa banal.

5.   Você deve respeitar sua audiência. O mandamento “anti-picaretagem”.

6.   Você deve conhecer seu mundo como Deus conhece o nosso. O mandamento pró-pesquisa.

7.   Você não deve complicar, mas sim tornar mais complexo. Não multiplique as complicações em um único nível. Use todos os três: intrapessoal, interpessoal e extrapessoal.

8.   Você deve atingir o fim da linha, levando as personagens aos conflitos mais longínquos e profundos imagináveis dentro do reino da probabilidade da história.

9.   Você não deve escrever “nas coxas”. Insira um subtexto em cada texto.

10.   Você deve reescrever.

Donald, o escritor fictício que segue os mandamentos do professor, discute, várias vezes, sobre as técnicas que utilizará para escrever seu roteiro com o irmão Charlie, que o critica severamente. O roteiro de Donald, The 3, no entanto, ao ser finalizado e entregue ao produtor de Charlie, é elogiado e indicado para ser produzido. Possivelmente os mandamentos de McKee ainda continuem fazendo sucesso entre espectadores...

 


[*] Brunilda Reichmann, PhD, é Professora Titular da Pós-Graduação em Letras da UNIANDRADE.

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