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quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A ruptura psicológica/social de Vestido de noiva

Luiz Zanotti*

O ensaio a seguir busca mostrar o importante momento do desenvolvimento do teatro no Brasil, através de uma breve discussão sobre a peça Vestido de noiva a partir dos seus textos e de algumas críticas referentes a montagens das mesmas. Vestido de noiva é uma obra que está na própria origem do moderno teatro brasileiro, com Nelson Rodrigues construindo um universo dramático absolutamente original, fazendo uso do teatro da memória com maestria (parece ter tido forte influência de Eugene O’Neill, Luigi Pirandello ou Henrik Ibsen –, autores que Nelson, aliás, dizia não conhecer, embora isso fosse pouco provável), rompendo com a narrativa linear, e mostrando um sujeito pós-moderno, e, portanto, fragmentado, um sujeito que perdeu um “sentido de si” estável (Hall, A identidade na pós-modernidade).
Para que tais resultados sejam possíveis, Nelson Rodrigues divide o palco em três planos diferentes: um para a memória, outro para a realidade e o terceiro para as alucinações. O diretor polonês Ziembinski vai concretizar estas divisões através de recursos de iluminação, que divide os planos, e sonoplastia que traz as vozes de pessoas não presentes, num recurso cujo principal objetivo parece ser o de acentuar a natureza multifacetada do sujeito do inconsciente.
Assim, esta informação fragmentada, ora através da iluminação de imagens visuais obtidas pela apresentação de cenas mudas, ora através de sons que inesperadamente invadem o silêncio do teatro por intermédio de algum microfone estrategicamente colocado, ora através dos diversos planos, acabam por formar um quebra-cabeças que o espectador vai montando pouco a pouco.
Este quebra-cabeças que se passa dentro da mente da mulher atropelada, que embaralha fatos “reais”, imaginários e até alucinações correspondem aos diversos planos em que foi dividido o palco, dentro de uma trajetória não linear, que para Benjamin (Benjamin, W. In: GAGNEBIN, J. M., História e narração em W. Benjamin), em sua não linearidade, assim como o véu tecido por Penélope, se encontra nos movimentos, as vezes complementares, as vezes opostos dos fios da trama e da urdidura, na descrição do esquecer como princípio produtivo, na comparação com as franjas tecidas pelo esquecimento e seus ornamentos.
Em seu comentário sobre o espetáculo, Almeida Prado cita o ator Sérgio Cardoso, aprovando a sua atuação de uma forma como se o expressionismo nunca tivesse existido: “Sua encenação é original no sentido mais raro e genuíno da palavra, o etimológico, no sentido de provir diretamente da origem, de ter voltado ao texto, deixando-se guiar e inspirar exclusivamente por ele” (Prado, D. A. Teatro em progresso).
Enfim, Vestido de noiva apresenta ao público, o que se passa na memória de uma mulher atropelada durante uma operação de emergência, com sua mente relembrando várias passagens, reais ou num estado de delírio que muitas vezes lembra A morte do caixeiro viajante, de Arthur Miller dentro, e de uma perspectiva barroca dá face ao próprio delírio, causando uma ruptura na tradição cênica brasileira.

*Professor do Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade

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