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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A carnavalização em notícias e imagens do mundo

Sigrid Renaux*

Considerado por Mikhail Bakhtin como “um dos problemas mais complexos e interessantes da história da cultura”, o carnaval

(no sentido de conjunto e todas as variadas festividades, ritos e formas de tipo carnavalesco), da sua essência, das suas raízes profundas na sociedade primitiva e no pensamento primitivo do homem, do seu desenvolvimento na sociedade de classes, de sua excepcional força vital e seu perene fascínio. (BAKHTIN, 2005, p. 122)

– continua presente na vida diária de todos nós. Basta examinar as notícias e imagens nos jornais, televisão e internet para nos dar conta de sua força e fascínio.
Oriundas do fato de que, durante o carnaval, vive-se uma vida desviada de sua ordem habitual, as categorias carnavalescas apresentadas por Bakhtin – o livre contato familiar, excentricidade, as mésalliances carnavalescas e a profanação – continuam a se concretizar diariamente à nossa volta, muitas vezes sem nos darmos conta de sua origem. O mesmo acontece com relação às ações carnavalescas (a coroação bufa e o destronamento do rei do carnaval), às imagens carnavalescas (imagens pares, objetos, o fogo, o riso, a paródia), à praça carnavalesca e outros lugares de encontro e contato de pessoas, como ruas, tavernas, estradas, bem como com relação ao discurso familiar de rua (a gesticulação e linguagem do insulto e da zombaria), todos eles impregnados do simbolismo do ritual de coroação-destronamento.
Examinando apenas algumas das manifestações recentes de ações carnavalescas e dos diversos ritos secundários do carnaval – como as mudanças carnavalescas dos trajes, as mistificações carnavalescas, as incruentas guerras carnavalescas, a troca de presentes (a abundância como momento da utopia carnavalesca), (BAKHTIN, 2005, p. 125) – basta lembrar, dentre outros:

Tomatina
A Tomatina, tradicional festa que ocorre em Buñol, próximo a Valência, na Espanha, faz parte de uma semana inteira de festas em honra ao patrono da cidade, São Luis Beltrão, com desfiles, exibições de fogos de artifício, bailes nas ruas e concursos de paellas. Celebrada anualmente por uma hora na última quarta-feira de agosto, na Plaza Mayor, a Tomatina começou nos anos 40, com uma batalha entre amigos e, atualmente, milhares de pessoas participam desta “guerra” de tomates, na qual festeiros arremessam tomates uns nos outros e depois nadam em meio à polpa de tomate.
 Como a imagem revela,

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esta guerra, que consume toneladas de tomate, é apenas uma das manifestações dos ritos secundários do carnaval, as “incruentas guerras carnavalescas” mencionadas por Bakhtin, nas quais o livre contato familiar entre os participantes desfilando nas ruas – palco das ações carnavalescas –, fazendo brincadeiras e depois nadando em meio à polpa de tomate, as mudanças de trajes, a abundância e o riso concretizam outros ritos secundários carnavalescos, todos eles impregnando as festas ao patrono da cidade com a alegre relatividade do carnaval.

Corrida das Cores

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Como consta na legenda,
                                                                                                                                  Milhares de pessoas e muito colorido tomaram as ruas de Paris, na França, na manhã de domingo (19). Elas participaram da Corrida das Cores, evento em que os participantes correm um percurso de cinco quilômetros e são cobertos com tintas de diversas cores. Ao final, elas se reúnem em um festival de música.

 A mesma corrida, que ocorre igualmente em diversos estados norte-americanos – a “color run” –, também acontece em algumas capitais do Brasil (Recife, Vitória, Rio de Janeiro). Tendo como inspiração o Festival das Cores, tradicional celebração indiana que comemora o início da primavera, a Corrida das Cores no Brasil objetiva alcançar, por meio desta jornada de alegria, experiências sociais, visuais e sensoriais, o mesmo espírito de celebração no qual de é possível brincar em família, entre amigos, sem pensar em competir (http://www.corridadascores.com/acorrida.php):



             
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Em ambas as imagens, percebemos novamente o liame profundo que se estabelece com o carnaval, na definição bakhtiniana, nas quais temos, além das ruas e praças como local de encontro das pessoas – eliminando as distâncias entre os homens –, também a “organização de ações de massas”(BAKHTIN, 2005, p. 123), pois “os participantes recebem um banho de pó colorido com uma cor específica,chegando ao final do percurso com todas as cores nas roupas, no corpo e no sorriso” (http://www.corridadascores.com/acorrida.php). Aproximam-se assim, por meio da Corrida das Cores (com suas imagens carnavalescas de roupas, corpos e sorrisos cobertos de cores variadas), festividades com raízes profundas na sociedade primitiva com festividades atuais.

Panelaço
Definido como “manifestação popular coletiva de protesto que consiste em fazer grande ruído percutindo especialmente utensílios metálicos numa hora determinada” (Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa), o panelaço tornou-se uma das opções mais democráticas para a demonstração da insatisfação dos brasileiros contramedidas governamentais. Basta lembrar, entre outras, das imagens do protesto dos professores contra os baixos salários realizado na Bahia, nas quais o uso de utensílios domésticos como armas e, portanto, como objetos carnavalescos, nos remete à natureza ambivalente dessas imagens: trata-se “de uma manifestação específica da categoria carnavalesca de excentricidade, do que é comum e geralmente aceito; é a vida deslocada do seu curso habitual” (BAKHTIN, 2005, p. 126).

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Deste modo o panelaço, como uma grande ação de massas e gestos carnavalescos, exerce duas funções – uma política e outra carnavalesca –, unindo, assim, o lado sério com o lado lúdico da vida.
Essas manifestações recentes de carnavalização evidenciam, portanto, como o carnaval, como parte da história da cultura, continua a se fazer presente na vida diária das pessoas, em diferentes festejos e contextos, oferecendo inúmeros exemplos, facilmente detectáveis, de sua força vital e atração.

Referências
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
Os 10 Festivais Mais Bizarros do Mundo. IN:forum.outerspace.terra.com.br 400 × 239. Acesso em 11 ago. 2015.
PANELAÇO. Disponível em: Disponível em: www.blogsagaztico.com 956x500. Acesso em: 11 ago. 2015.
*Sigrid Renaux é Professora Titular das disciplinas “Teorias da Poesia” e “Poéticas da Modernidade ” do Mestrado em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade (UNIANDRADE), em Curitiba.

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