Luiz
Zanotti*
Autobiografia
talvez seja um dos primeiros gêneros no mundo, pois as pessoas têm a tendência de
querer registrar os seus feitos, e esta tendência é ainda mais exacerbada na
sociedade dos indivíduos (Norbert Elias, 1994) que mostra como tendência a
individualidade. Assim, alguns críticos, como por exemplo, Doubrousky, procura
criar um novo gênero, a quem ele chama autoficção,
Este
“novo” gênero tem sua gênese num debate entre Doubrousky e Philippe Lejeune que
no seu livro Le pacte autobiographique (1987, p. 31), problematizava a possibilidade
de existir um romance onde o autor era a própria personagem, apesar de ser um
assunto menor pois, como sabemos o resultado estético da obra está acima desta
escolha. Nesta perspectiva, Doubrovsky
resolveu escrever um romance autoficcional, criando este neologismo, que
consideramos longe de adquirir um caratê de gênero.
A verdade
é que a autobiografia tem toda uma característica de descrição de fatos
verdadeiros, o que nos lembra Hayden White na sua problematização entre
história e literatura na busca da realidade.
O
teórico inglês Hayden White que afirma que a narrativa histórica apenas se
diferencia da narrativa literária pelo conteúdo, visto que os métodos de
historiadores ou escritores literários são os mesmos. De acordo com ele, o trabalho histórico utiliza como “veículo” a narrativa,
elaborada através de uma representação ordenada e coerente de acontecimentos.
Assim, White conclui que toda explanação histórica é retórica e poética por
natureza.
A meta-história − estudo referente à História enquanto
historiografia − de White representa uma abordagem construtiva para a
historiografia porque incentiva a reflexão sobre a questão da verdade. O
conceito de História como narrativa põe em questão as pretensões de verdade e a
objetividade do trabalho dos historiadores. Segundo Norman Wilson, White considera
as narrativas históricas como ficções verbais, com seus conteúdos sendo tanto
inventados quanto comprovados. Desta forma, as narrativas históricas seriam
ficções que teriam mais relação com a literatura do que com a ciência.
Na contemporaneidade, essa constatação torna-se muito importante, pois a
História abandona a
pretensão de uma verdade “absoluta” que, supostamente, poderia ser obtida através de documentos históricos. O filósofo francês
Michel Foucault em seu livro A
arqueologia do saber (1969) apresenta essa
antiga busca pelos documentos que diziam a verdade, e com que direito podiam
pretendê-lo, se eram sinceros ou falsificadores, bem informados ou ignorantes,
autênticos ou alterados.Essa posição acerca de um documento foi mudada. Agora a História
considera como sua tarefa primordial não interpretá-lo, não determinar se diz a
verdade nem qual é seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo como uma
materialidade documental, ela o organiza, recorta, distribui, ordena e reparte
em níveis, estabelece séries, distingue o que é pertinente do que não é,
identifica elementos, define unidades, descreve relações.
Essa impossibilidade de se alcançar uma verdade insofismável é abordada pelo historiador francês François Dosse citar o processo de Maurice Papon[1], em que historiadores de ofício foram convocados ao pretório. Ele alerta contra o exagero e o grande risco de o historiador engajar-se no juramento jurídico de dizer toda a verdade, traduzindo uma situação de desconforto e de dúvida quanto ao seu estatuto.
Essa impossibilidade de se alcançar uma verdade insofismável é abordada pelo historiador francês François Dosse citar o processo de Maurice Papon[1], em que historiadores de ofício foram convocados ao pretório. Ele alerta contra o exagero e o grande risco de o historiador engajar-se no juramento jurídico de dizer toda a verdade, traduzindo uma situação de desconforto e de dúvida quanto ao seu estatuto.
Desta
forma, a diferença fundamental entre a autobiografia e a autoficção seria o
acordo com a verdade, que como vemos no ensaio Matéria e memória (1990) de Henry Bergson, é extremamente frágil,
pois na relação entre imagens e lembranças é importante notar que
tanto o passado como o presente continuam ativos, circunscrevendo os limites de
nossa interpretação. Para Bergson (1990, p. 62), este conceito de imagens-lembrança
identifica apenas a parte inteligível da relação com os objetos, onde, ao invés
de experimentarmos as imagens, as identificamos, tentando recuperar sua
claridade e, principalmente, sua utilidade em nossas vidas.
Assim, ao buscarmos
as nossas memórias, identificamos um outro tipo de imagem, que não apenas
reconhece por hábito uma atividade passada de nossa vida, mas que “recria” esse
passado: as imagens-ação. Das imagens-ação, esperamos sempre ter uma atitude
voltada para o presente, mas para um presente sensível, que tem a memória como
uma forma criadora do passado.
[1] Oficial do governo francês de Vichy que colaborou com o Regime Nazista.
*Professor do Mestrado em Teoria Liteéria da UNIANDRADE
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