Pesquisar este blog

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Nesta semana, o Blog Sarau Literário divulga a crônica escrita por uma de nossas doutorandas. Segundo a própria autora, o texto foi inscrito no Concurso Off Flip e ficou entre os finalistas.


Fátima Ortiz. Foto de Eli Firmeza. Disponível em <https://www.plural.jor.br/noticias/cultura/para-fatima-ortiz-com-50-anos-de-palco-a-experiencia-nos-torna-mais-realistas/>.



CONVERSA CRÔNICA


Fátima Ortiz

 

Eu própria, cronista um tanto famosa, confabulava comigo mesma: seria a crônica um gênero menor? Pergunto, me valendo da lembrança da conversa com uma servente da nossa escola de teatro. Eu sempre fascinada por gente simples, fiquei de cara, quando ela me disse, no meio das vassouras e rodos pendurados em ganchos, que o gênero que ela mais amava era a crônica! – É mesmo Laurinda? Que massa! Me explica vai. – Ué não pode? Gosto, porque crônica fala da gente sem muito lero-lero e eu me vejo caminhando na história junto com quem escreve.  Sim Laurinda o cronista é um flaneur, um andarilho. – Também acho, ela disse, e continuou  Um vagamundo né? Não fosse os cronistas as cidades e suas praças, os ônibus saindo gente pelos vãos e o brilho das lógicas daqueles que só tem a roupa do corpo passariam batido. Esses raciocínios fazíamos as duas, enquanto sentíamos que nossas distâncias sociológicas se aproximavam misturadas ao odor dos detergentes e panos úmidos. Laurinda, sabíamos era alcoólatra, segunda-feira era um dia difícil para ela, por isso arregalou os olhos sonsos e líricos quando eu disse:  vamos passar um café? Convidei, mas, ela que fez tudo. Enquanto o cheiro do café ia entorpecendo o ar da cantina, com desenvoltura ela me contava, meio em ritmo de fluxo de consciência, o que acabara de acontecer  Mestra escuta essa hoje quando cheguei os mendigos já estavam limpando as remelas nas paredes aí fora aquele de sempre ficou louco quando me viu já te trago uma água eu falei abri a torneira ich o registro desligado sem chances espera o cara quis entrar eu sei que não devia deixar quando olhei direito ele tinha sangue na camisa não posso fazer nada nem vou mexer nisso ( quer açúcar ah! não a mestra toma amargo) (parênteses meu) o homem saiu correndo e veio mais uns dois atrás eu bati a porta e só fiquei escutando as baixarias ... Parou de repente e bebericou o café como uma dama.  E daí? o que que rolou Laurinda?  Escreve você mestra uma continuação. Ela continuou falando enquanto empapava de geleia a bolacha de água e sal.  A escrita por certo, fica mais real e doce que essa vida patética desses pobres diabo que nem sabem porque estão vivos. Eu brinquei – Ser ou não ser eis a questão? E ela continuou  Será mais fácil suportar as flechadas da fortuna ou remar contra um mar de escombros e vencer.  Nossa ganhei o dia hoje, Laurinda! Eu disse, e ela  Então escreve essa crônica, mas põe um ar de poesia pra não correr o risco de dizerem que crônica é um gênero menor.


---------------------------

Fátima Ortiz é atriz, diretora teatral, dramaturga, arte-educadora e produtora. Mestra em Teoria Literária pela UNIANDRADE e doutoranda na mesma instituição.


Nenhum comentário:

Postar um comentário