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terça-feira, 24 de setembro de 2019


A PRESENÇA DE HANS ULRICH GUMBRECHT

 

Profa. Dra. Greicy Pinto Bellin (UNIANDRADE)

 

 
Hans Ulrich Gumbrecht, professor e pesquisador da Universidade de Stanford, ministrou o minicurso intitulado “O leitor não-profissional de literatura e seus desafios”, no XI Seminário de Pesquisa - III Seminário de Dissertações em Andamento – Semana de Iniciação Científica de Letras do Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE, que aconteceu entre os dias 18 e 20 de setembro de 2019 no campus em Santa Quitéria. O minicurso versou sobre as características do leitor não-profissional de literatura e seus desafios nos dias de hoje. Aproveitando a presença de Gumbrecht ente nós, abordarei, neste breve texto, a importância de seu pensamento para a teoria literária contemporânea, apontando para um percurso teórico que transita entre várias áreas do conhecimento e que, talvez por este mesmo motivo, não perca a sua vitalidade.
Uma das grandes contribuições do estudioso não apenas para a teoria literária como também para o campo da intermidialidade é a organização, em 1988, da coletânea Materialidades da comunicação, publicada pela editora Suhrkampf Verlag no mesmo ano em Berlim. A obra representa um verdadeiro turning point na forma de se pensar nas relações entre literatura, artes e outras mídias, instaurando um entendimento sobre as materialidades da comunicação, isto é, as experiências estéticas advindas da produção de sentido de um texto. Gumbrecht contribui, neste sentido, para a ruptura com uma tradição hermenêutica forte na academia brasileira, permitindo-nos pensar a respeito da concretude da obra literária, capaz de produzir presença, termo utilizado para se referir à esfera do não-hermenêutico, de tudo aquilo que não se encontra no campo da interpretação e do sentido. Exemplar sob este aspecto é a obra Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir, publicado em 2010, que se inscreve no panorama da chamada “crise da representação”, tão cara ao pensamento pós-moderno e ao que Otávio Leonídio chama, em seu prefácio, aos “arautos da desconstrução”. Influenciada por pensadores como Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss, que foi, aliás, seu orientador de pesquisa, a obra de Gumbrecht é muito importante para a estética da recepção pelo fato de investigar as relações entre obra e receptor por meio da exploração da ideia de presença ou stimmung, para usar o termo em língua alemã. Outra contribuição relevante de Gumbrecht é a obra Modernização dos sentidos, publicado em 1998, em que ele amplia, com lucidez, o entendimento do conceito de modernidade desde a Idade Média até o século XXI. Esta obra é basilar em bibliografias de cursos de pós-graduação no Brasil todo, o que reforça a sua relevância e potencial de atuação entre pesquisadores de diversas áreas.
Uma característica marcante do estudioso é sua abertura para diálogos dos mais variados tipos com intelectuais e acadêmicos brasileiros. Gumbrecht esteve no Brasil pela primeira vez em 1977, na condição de professor visitante na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Travou diálogos intensos com Luiz Costa Lima e João Cezar de Castro Rocha, tendo resenhado, em 2013, o livro Machado de Assis: por uma poética da emulação. Criou verdadeira tradição em receber orientandos brasileiros na Universidade de Stanford, contribuindo para a internacionalização da pesquisa brasileira de forma coerente e consistente. Seus orientandos, aliás, são unânimes em afirmar que Sepp, como gosta de ser chamado pelos mais íntimos, dá total liberdade para o desenvolvimento de pensamentos e teorias próprias, o que é altamente salutar e desejável para a formação de um pesquisador. Em entrevista dada para o Estado de S. Paulo em 2016, por ocasião de sua vinda para o congresso da Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC), Gumbrecht admitiu que o intercâmbio com os brasileiros foi e ainda é de fundamental importância para lapidar as reflexões desenvolvidas em sua obra, que transita não apenas pela literatura, mas pela história, filosofia, filologia, estética, história e antropologia.
Em tempos em que se dissemina a crença de que forma literária e processo social estão imbricados, conforme nos diria o já falecido crítico Antonio Candido, o pensamento de Gumbrecht, mas especificamente o exposto em Produção de presença, não nos deixa esquecer que somos seres biológicos com uma existência material concreta. Não se trata de negar a existência do social e/ou do histórico, mas de reafirmar a primazia do estético e, por conseguinte, da literatura como experiência estética compreendida a partir das materialidades da comunicação, as quais são de fundamental importância para o entendimento do fenômeno literário em todas as épocas e em todas as suas nuances.
No XI Seminário de Pesquisa deste ano, circulou, entre os participantes, a edição especial de crítica literária do Jornal RelevO, organizada por Greicy Bellin, professora do Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE, e Daniel Zanella, jornalista e aluno da instituição. A edição conta com artigos de ex-orientandos de Sepp Gumbrecht e traduções, tanto do inglês quanto do alemão, de autoria de Greicy Bellin, Anna Camati e Sigrid Renaux, professoras eméritas do Mestrado. Entre estas traduções, está uma biografia de Michel Foucalt, um dos teóricos mais relevantes da contemporaneidade. Merece especial atenção o artigo “Gelassenheit e seus descontentes: algumas reflexões sobre a obra de Hans Ulrich Gumbrecht”, de autoria de João Cezar de Castro Rocha, no qual o estudioso realiza um percurso instigante pela obra de Sepp, como gosta de ser chamado por seus amigos. O simpático e afetuoso pensador alemão agradece.     
 
Referências
ANTONIOLLI, Juliano Francesco; BATALHONE JR, Vítor. Entrevista com Hans Ulrich Gumbrecht. Aedos: revista do corpo discente do PPG-História da UFRGS, Porto Alegre, v. 5, n. 2, 2009, p. 152-159. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/12072/7331 Acesso em: 08/08/2018. 
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Trad. Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.
_________. Modernização dos sentidos. Trad. Lawrence Flores Pereira. São Paulo: Editora 34, 1998. 
________; PFEIFFER, Ludwig. Materialities of communication. Stanford: Stanford University Press, 1994.
PETRONIO, Rodrigo. A arte-vida de Hans Ulrich Gumbrecht. Revista Caliban, São Paulo, 2016. Disponível em: https://revistacaliban.net/a-arte-e-a-vida-de-hans-ulrich-gumbrecht-123246dfcb Acesso em: 08/08/2018.
RIBEIRO, Claudio. Uma filosofia da presença. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/hans-ulrich-gumbrecht-todo-o-passado-de-que-conseguimos-lembrar-esta-presente-quase-que-de-maneira-fisica-em-nosso-presente/ Acesso em: 08/08/2018.
ROCHA, João Cezar de Castro. Machado de Assis: por uma poética da emulação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
 
 
 
 
 

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