Pesquisar este blog

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

FACTÓTUM: DO HIPOTEXTO AO HIPERTEXTO

Autora: Helena G. de Bittencourt
Programa de Iniciação Científica de Letras
UNIANDRADE

Orientadora: Profa. Dra. Brunilda Reichmann
UNIANDRADE
 

Factótum, segundo romance de Bukowski, foi publicado em 1975 e adaptado para o cinema em 2005, com o título de Factótum – sem limites, dirigido por Bent Hamer. Dos seis romances escritos por Bukowski (Misto-quente, Factótum, Cartas nas ruas, Mulheres, Hollywood e Pulp), Factótum é o único que foi recriado em mídia audiovisual.
Nas cenas passadas no hipódromo e nos bares, principalmente, o filme foi capaz de suscitar no espectador recepção semelhante à do leitor ao texto. Por exemplo, a desgraça, a decadência e a depravação da vida de Chinaski, transmitidas no drama/romance de Bukowski, são habilmente transpostas para o filme. Matt Dillon interpreta Hank brilhantemente: sua maneira de olhar, falar e de andar. O diretor também faz um trabalho esmerado: a câmera utilizada é econômica, de baixa qualidade, as edições básicas e o uso de cores meio apagadas, pálidas, cria um clima de depressão, que nos remete ao anti-herói e aos ambientes por ele vivido. Essas escolhas fazem com que a recepção do filme se assemelhe o que imaginamos ao ler Factótum.

[Imagem não disponível]

Henry (Hank) Chinaski – personagem central e alter ego de Bukowski, interpretado por Matt Dillon – após ser classificado como inapto para entrar no exército, durante a segunda guerra mundial e, sem profissão e perspectiva de vida, necessita encontrar emprego para poder pagar um lugar para morar (ele sempre tinha que se mudar, por falta de dinheiro), para suas bebidas e para sobreviver. Trabalha fazendo bicos, migrando de emprego a emprego. Os empregos dele são sempre temporários, pois ele sempre arruma alguma confusão e é demitido, isso quando ele mesmo não se demite. Ele aceita fazer qualquer coisa que apareça, e daí vem o nome Factótum, que quer dizer “faz-tudo”.
Mas apesar de fazer qualquer tipo de trabalho, Hank queria mesmo era ser escritor. Lutava entre querer escrever e sua realidade. Não possuía máquina de escrever, sendo assim, sempre escrevia à mão. O que mais escrevia eram contos. Ele escrevia cerca de quatro contos por semana e enviava para revistas, mas seus contos eram sempre rejeitados. Até que um dia ele recebeu uma carta dizendo que, dentre os contos que ele tinha enviado, um havia sido aceito. E isso, como não poderia ser diferente, o deixou empolgado, como podemos notar no capítulo 29:

Levantei-me da cadeira, segurando ainda a carta de minha aceitação. MINHA PRIMEIRA. Da revista literária número um da América. O mundo nunca parecera tão bom, tão cheio de promessas. Fui até a cama, sentei-me, voltei a lê-la. Estudei cada curva da assinatura à mão de Gladmore. Levantei-me, fui com a aceitação até a cômoda, guardei-a lá dentro. Depois me despi, apaguei as luzes e fui para a cama. Não conseguia dormir. Levantei-me, acendi as luzes, fui até a cômoda e voltei a ler a carta:

       Caro sr. Chinaski… (BUKOWSKI, 2011, p. 37)

Além de escrever, havia outra coisa que Hank gostava de fazer (além de beber e se relacionar com mulheres): ir aos hipódromos. Ele era bom em apostar nos cavalos ganhadores. Ia às corridas com seu carro de trinta dólares e, ao final, gastava o dinheiro que porventura tivesse ganho com bebida e mulheres. O livro e o filme retratam bem isso:
 
Quando voltei para Los Angeles, encontrei um hotel barato nas imediações da Hoover Street e fiquei na cama e bebi. Bebi por algum tempo, três ou quatro dias. Não conseguia achar disposição para ler os classificados. A ideia de me sentar diante de um homem e sua mesa e lhe dizer que eu queria um trabalho, que eu tinha as qualificações necessárias, era demais para mim. Francamente, eu estava horrorizado diante da vida, o que um homem precisava fazer para comer, dormir, manter-se vestido. Então fiquei na cama enchendo a cara. Quando você bebia, o mundo continuava lá fora, mas por um momento era como se ele não o trouxesse preso pela garganta. (BUKOWSKI, 2011, p. 39)

[Imagem não disponível]

Outro detalhe incluído no livro são as humilhações pelas quais Hank passa, através das denúncias sociais, as relações de trabalho na época. Isso também é encontrado no filme (aos 27 minutos e 55 segundos), como é o caso deste diálogo que foi transposto na íntegra, que nos remete a mais-valia (termo empregado por Karl Marx):

– Eu lhe dei meu tempo. É tudo o que tenho pra oferecer, é tudo o que um homem tem a oferecer. E pelo quê? Para ganhar um dolarzinho chorado e quinze centavos por hora.
– Lembre-se que você implorou por esse emprego. Você disse que essa aqui era a sua segunda casa.
– Meu tempo para que você possa viver na sua mansão lá no alto do morro e o pacote completo que vem com isso. Se alguém perdeu alguma coisa nesse negócio, nesse acordo, esse alguém foi eu. Está entendendo? (BUKOWSKI, 2011, p. 65)

Além desse, muitos outros diálogos são transpostos integralmente par o filme, como o que se passa no capítulo 24, por exemplo, em que Hank está em uma entrevista. No filme, essa cena se passa a partir dos 9 minutos e 52 segundos. Além dos diálogos, algumas narrações são também encontradas na íntegra no filme. O desenvolver da trama é narrado por pensamentos de Henry no livro, a narração das dificuldades do protagonista durante as cenas na tela aproxima ainda mais o filme do texto.
Mas, apesar de o ator ser um ótimo intérprete de Hank, o filme é mais polido e não segue a ordem de algumas cenas do livro. Faltou um pouco do aspecto "sujo", realista, que encontramos no texto fonte. Nem sempre a bebedeira, o sexo, as palavras de baixo calão, em suma, foram passados para a versão fílmica, afastando assim o filme da obra de Bukowski. O personagem Chinaski, no livro, é frio, apático; no filme ele não é. Há também um afastamento do humor, sarcasmo e ironia de Bukowski. Sabemos, no entanto, que é impossível ter-se uma transposição fílmica que seja uma replicação do texto; além do mais, enfatizar o que se passa na obra original poderia afastar o público do cinema, fazendo que com que fosse classificado como pornográfico e não tivesse sucesso de bilheteria.

 

REFERÊNCIAS
BUKOWSKI, Charles. Factótum. Trad. Pedro Gonzaga. Edição brasileira. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011.

FACTÓTUM - sem limites. Direção de Bent Hamer. Estados Unidos da América: IFC Films, 2005.
(1h 38min.).

Nenhum comentário:

Postar um comentário