Pesquisar este blog

quinta-feira, 11 de abril de 2024

SOU DOUTORA (COM DOUTORADO): 

REFLEXÕES SOBRE UM PROCESSO TRANSFORMADOR


Claudia Regina Camargo

 

Sou doutora com doutorado, e é muito estranho ter que falar isso. Mas, antes de falar sobre minha experiência com o doutorado, preciso explicar um ponto fundamental sobre minhas crenças: eu sou um ser integral. Certo, todos somos. Mas o que quero esclarecer é que não posso focar um ponto estritamente acadêmico, quando essa experiência (acadêmica), que me trouxe inúmeras reflexões, aconteceu durante um contexto político e social muito marcante, e o momento em que se deu esse processo foi, também, um tanto quanto trágico na história mundial. Todos esses aspectos influenciaram minha experiência com o doutorado, tendo um impacto pessoal e emocional muito grande na minha vida e na vida de tantas pessoas. Esclarecido esse ponto, vamos lá.

Nos últimos anos percebemos com tristeza que algumas distorções ganharam peso nas mídias e na sociedade em geral. A primeira é a descrença na ciência e na academia, num contexto político e social muito polarizado, o que não é bom para ninguém. Vimos, bem recentemente, as Ciências Humanas (Sociologia, Filosofia etc.) sofrerem sérios ataques, como estudos sem importância, que não geram riquezas ou desenvolvimento para o país. Ainda, dentro desse espaço de distorções, outro equívoco é a banalização do próprio título de Doutor. Fora a tradição de chamar médicos e advogados de doutores, mesmo que não tenham obtido a titulação, agora vários outros profissionais recém-graduados, inclusive em áreas da Estética, se autointitulam "doutores", pelo simples fato de usarem um jaleco branco.

Pois bem, um doutorado é, basicamente, o maior grau de aprofundamento acadêmico que se pode obter, portanto, a pessoa que possui o título de doutor pode ser considerada uma grande especialista naquele determinado assunto. Isso porque o doutorado é uma longa jornada de aprendizagem: são pelo menos 4 anos de um processo de pesquisa e escrita intensas, disciplinas a cumprir, eventos de que precisamos participar, artigos que precisamos escrever e publicar, palestra a ministrar, entre outros estudos que realizamos, para que todos os créditos sejam fielmente cumpridos para a aquisição do título. Então, sim, sou doutora com doutorado, e essa é uma conquista relevante da qual me orgulho muito mesmo.

 

Crédito da imagem: Claudia Regina Camargo. Acervo pessoal.

 

O título da minha tese é Literatura e hipertexto: a não linearidade e a formação do (hiper)leitor. A pesquisa teve como foco a formação do leitor não profissional de literatura para obras não lineares, buscando refletir como a leitura no meio digital, que segue um padrão fragmentado (hipertexto), junto com a multimodalidade (ou o multiletramento), poderia colaborar para esse tipo de letramento dos leitores, ou seja, proporcionar meios nos quais o leitor tivesse mais competência para apreciação e interpretação de obras de enredo não linear, uma dificuldade que observei já na minha pesquisa de mestrado, sobre a obra S. (2015), de J. J. Abrams e Doug Dorst — trabalho disponível no banco de dissertações da UNIANDRADE.

Considero o meu estudo muito relevante, pois, além do estímulo e da simples interpretação, tratamos do aspecto dos sentimentos que a leitura, especialmente da literatura, proporciona (prazer, raiva, tristeza, alegria), além de colocar na balança as novas gerações e a forma como aprendem e vivem os leitores contemporâneos. Para tratar de todos esses aspectos formativos, tivemos que tocar em pontos sensíveis, como a própria formação dos “formadores de leitores”, as políticas pedagógicas públicas e privadas e a responsabilidade de cada ente social, inclusive da família, no processo de formação leitora. A tese teve um aspecto enciclopédico, no qual vários tópicos foram tratados com maior ou menor profundidade, mas buscando abranger um grande universo teórico relativo à leitura, às literaturas não lineares e ao hipertexto.

Dessa forma, todas essas experiências acadêmicas foram fundamentais para minha formação integral, proporcionando compartilhamento de aprendizados com outras pessoas, me tornando mais humilde a cada nova leitura, que conseguia, muitas vezes, desestabilizar o que eu acreditava conhecer, fazendo com que novas pesquisas se iniciassem, a fim de criar uma base sólida para meu produto final: uma tese para comprovar ou refutar a hipótese proposta no meu projeto, apresentando soluções ou respostas para as perguntas que nortearam a pesquisa, que fazia muito sentido quando realizei o projeto.

Assim, ao iniciar as leituras essenciais, as convergências das referências bibliográficas, citando outras referências e trabalhos, os quais não pude ignorar (e, assim, li também), fazendo novas conexões, por vezes desestabilizaram ou alteraram minha ideia inicial. Nessa fase (que aconteceu em vários momentos durante a escrita), a ajuda de minha orientadora para me colocar novamente nos trilhos, mostrando que o projeto inicial, amplamente trabalhado por nós (orientadora e orientanda), deveria e poderia ser seguido sem prejuízo, colaborando muito para que eu não perdesse o foco em meio a tantas questões trazidas pelas mais de 10 mil páginas lidas (sim, lidas de forma integral, parcial ou dinâmica, mas lidas). Afinal, tantas ideias novas começam a invadir nossas convicções, novas ideias vão se formando e, se não houver um limite, é muito fácil perder a direção, o propósito, do que se está pesquisando.

 

Crédito da imagem: Claudia Regina Camargo. Acervo pessoal.

 

Além disso, e não menos importante, é bom lembrar que o doutorado tem um cronograma a cumprir, e que este é fundamental para a dinâmica e o aproveitamento acadêmico. Outrossim, existem ainda as nossas expectativas, que precisamos alinhar com as expectativas do nosso orientador, a fim de produzir um trabalho com a qualidade desejada para esse "grau de aprofundamento acadêmico".

***

Percebemos, assim, que a caminhada rumo ao doutorado é, certamente, muito difícil. Esse nível de excelência e esses anos que decorrem, entre ingressar no doutorado, até chegar a sua conclusão, têm dificuldades certas para todos: podemos adoecer, perder o emprego, viver conflitos pessoais, profissionais, familiares, sofrer perdas de entes queridos. Afinal, são quatro anos de vida que não param para que você tenha a paz e a tranquilidade necessárias para a pesquisa.

Em 10 de fevereiro de 2020, defendi minha dissertação de mestrado para poder participar, já na semana seguinte, do processo de seleção para a primeira turma de doutorado da UNIANDRADE. Essa turma iniciou em março de 2020. Tivemos apenas uma aula presencial, quando então o mundo virou de cabeça para baixo: o maior problema de saúde mundial dos últimos 100 anos, uma pandemia, tirou todos do rumo e da rotina, e também da estabilidade. Lidar com o medo, o isolamento e as incertezas, e com muitos protocolos de higiene quase insanos, não foi nada fácil.

Essa rotina, em meio à pandemia, aliando novos meios de interação pessoal, profissional e educacional, além de toda a carga de estudo necessária, mais uma jornada de trabalho de 40 horas semanais, e outros acontecimentos, como uma mudança de casa, uma cirurgia da minha mãe (que ficou aos meus cuidados), uma cirurgia minha, problemas de saúde do meu marido, entre outros fatores, tornaram essa conquista ainda mais importante para mim: ela custou um tempo precioso, em que abdiquei das pessoas que amo, das coisas que gosto de fazer e até do espaço ao próprio ócio, que, por longos 4 anos, não sabia mais que existia.

 

Crédito da imagem: Claudia Regina Camargo. Acervo pessoal.

 

Com dedicação e a precisa e fundamental orientação da Professora Doutora Verônica Daniel Kobs, hoje coordenadora do Mestrado e Doutorado em Teoria Literária, fui a primeira doutora em Teoria Literária a me formar na UNIANDRADE. Então, sim, sou doutora com doutorado! E com muito orgulho!


----------------------------

Claudia Regina Camargo é Doutora e Mestre em Teoria Literária pelo Centro Universitário Campos de Andrade (UNIANDRADE) e atua profissionalmente no Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Paraná, desde 1997. É mãe do Estevan (companheiro de leituras) e uma entusiasta da leitura e da literatura como ferramentas indispensáveis para o crescimento pessoal e intelectual de todas as pessoas.

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário