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terça-feira, 30 de abril de 2024

 VIDA ARTE, ARTE VIDA: REFLEXÕES SOBRE A POTENCIALIDADE DA PERFORMANCE COMO EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA E TRANSFORMADORA


Lúcia Helena Martins

 

Receber o convite da Verônica para escrever para este blog foi um presente. É uma delícia relembrar momentos de quando cursei o Mestrado em Teoria Literária na Uniandrade. Nesse período, conheci pessoas, professoras e colegas maravilhosas, comprometidas com a literatura, com a educação e com a pesquisa. Na Uniandrade, além das aulas de mestrado e da pesquisa, me sentia instigada a publicar artigos e participar de eventos, simpósios e congressos junto às professoras e colegas. Minha pesquisa de mestrado me abriu portas para muitos lugares. Dois meses após a defesa, por exemplo, eu fui aprovada em um concurso para professora cres na Universidade Estadual do Paraná – FAP (onde estou até hoje). Nunca esquecerei da sensação de alegria no dia em que eu e minha orientadora de mestrado, Dra. Anna Stegh Camati, estávamos apresentando nossas pesquisas no Simpósio Internacional de Brecht em Porto Alegre (2012) e recebi o telefonema da universidade me chamando para assumir o cargo.

Hoje, além de professora, sou performer e diretora teatral e venho realizando pesquisas com base em minhas práticas com a performance e as artes da cena. Um dos espetáculos que dirigi em 2016 teve muita influência das discussões fomentadas nas aulas de Teoria Literária e Poéticas da Reciclagem das professoras Dra. Brunilda Reichmann e Dra. Anna Camati, respectivamente. Trata-se do espetáculo “No coração das trevas: uma jornada mítica civilizada pelo centro cívico”, inspirada na obra Coração das Trevas de Joseph Conrad. A performance aconteceu no espaço urbano, especificamente na Av. Candido de Abreu, onde o público realizava a pé um percurso poético-político que se dava entre a Praça do casal Nu e a Praça Nossa Senhora de Salete. Além de minhas práticas como artista, também trabalho como roteirista para filmes artísticos, institucionais e publicitários. O mestrado em Letras foi fundamental em diversos aspectos da minha vida profissional.


Mapa folder de No coração das trevas. Candido de Abreu. Curitiba, Festival de Teatro de Curitiba, 2016. Crédito da imagem: Lúcia Helena Martins. Acervo pessoal.

 

A minha pesquisa de mestrado teve como tema a dramaturgia do espaço, especificamente intitulada: “Dejetos, detritos e devaneios: dramaturgias do espaço em manifestações cênicas contemporâneas”. A partir desse trabalho, criei meu percurso e a minha pesquisa acadêmica e artística que hoje engloba outros temas mais como: Artes da cena, Dramaturgias do espaço, Intervenções urbanas, Teatro de rua e Performance. Tornei-me membro da Rede Brasileira de Teatro de Rua e criei e coordenei o projeto de extensão “Performances em espaços diversos” durante muitos anos pela UNESPAR - FAP. Além disso, cursei o doutorado em “Teatro e Sociedade” na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC- SC). Minha tese teve como tema a Pedagogia da Performance e o Artivismo da Proximidade. Desde então, venho pesquisando performance e também me tornei integrante do Hemispheric Institute of Performance and Politics de New York Universit (NY).

 

Folder de Práticas e processos de performances e intervenções. Crédito da imagem: Lúcia Helena Martins. Acervo pessoal.

 

Do mestrado para cá, publicar artigos em revistas e anais se tornou um hábito. Dentre esses artigos está o intitulado “Pedagogias da Performance: implicações e reflexões”, publicado em 2023 como capítulo do livro Literatura e Interartes: rearranjos possíveis, e tomo este espaço para convidar a/o leitor/a a lê-lo. Nele, apresento um apanhado teórico com algumas noções do termo performance e problematizo e realizo uma reflexão sobre a pedagogia da performance.

A performance é um campo de investigação muito interessante e amplo, pois engloba a antropologia, a linguística, a psicologia, a sociologia, a física, a educação, as artes. E, apesar de encontrar-se nesses diversos campos do conhecimento, ela dialoga com todos, mesmo quando abordada pela perspectiva de apenas um deles. Neste sentido, ela é transdisciplinar e está sempre em processo de construção, o que a torna um fenômeno impossível de ser definido e categorizado e/ou colocado em alguma caixinha. Ela está no campo da experiência. O sufixo “per” significa “per”igo, ex”per”iência. Ela é processo. É conhecer o desconhecido. Lançar-se ao jogo. Burlar as suas próprias regras. Romper com o que se convenciona. A partir do momento em que se define o que é, ela já se tornou outra coisa. A força da performance está na potência de realizar, transformar e transgredir. Possui a capacidade de criar realidades e identidades por meio de palavras (Hurssel) e de ações (Schecnher, Taylor).

Para Hurssel, a performatividade na linguística é o fenômeno que permite realizar ações ou efeitos no mundo real por meio da linguagem para além da descrição ou representação. Por exemplo, alguém em situação formal diz: “Eu vos declaro “marido e mulher” e o casal está oficialmente casado. Da mesma maneira, as palavras e normas sociais atribuídas, como postulado por Simone Beauvoir, de que “ninguém nasce mulher, mas torna-se”, não constitui uma identidade feminina inata, mas molda e define a identidade por meio de palavras, ensinamentos e práticas. É performance.

Segundo o criador dos Estudos da Performance, Richard Schechner, a potência da performance é ela significar comportamento restaurado, repetido, aquele que as pessoas treinam e buscam e, ao mesmo tempo, ela ter em si o poder de ruptura desses comportamentos. Através das palavras e dos comportamentos dos corpos e da ruptura com os padrões estabelecidos, é possível criar outros modos de fazer, divergências, encruzilhadas. Ruptura. Daí a sua característica rebelde, transgressora e a sua força e potência de transformação social a ser realizada no campo da educação.

A performance-arte  apareceu com força na década de 1960, quando artistas buscavam romper com diversas convenções que regiam os processos artísticos. Por exemplo, a  saída dos museus em direção às ruas e espaços não convencionais, sustentado pelo discurso de democratização da arte; a desfronteiralização entre arte e vida, artista e público; a ruptura com o representacional e o deslocamento da arte como produto acabado vendido como mercadoria para a arte enquanto processo; a enaltação da presença do performer em vez da representação, dos corpos divergentes, das denúncias; as energias, pulsão de energia no aqui e  agora, o deslocamento das noções de separação entre mente e corpo, na qual o corpo é colocado como protagonista porque ele pensa. Performance arte caracteriza-se pela intermidialidade e interdisciplinaridade entre as diversas linguagens artísticas (música, pintura, dança, escultura, literatura, teatro) e, sendo assim, é difícil encontrar aproximações e definições para esse gênero. No entanto, apesar dessa diversidade, há um ponto em comum que une os diferentes tipos de performances: elas se propõem como modo de intervenção e de ação sobre o real, um real que elas procuram desconstruir por intermédio da obra de arte que elas produzem.

Considerando o caráter indisciplinado, rebelde, transgressor e de ruptura com os comportamentos restaurados e ensinados pelo establishment, bem como a sua grande diversidade de noções, pensar a performance e seu ensino provoca dúvidas e inquietações. A partir dessa perspectiva, e considerando que a performance é ruptura sempre em busca de invenção, questiono: seria possível “ensinar” performance se ensino é algo no qual a aprendizagem se repete? Seria realmente possível a criação de metodologias da performance que, de fato, ensinem performance? No que consistiria ensinar performance? Como pensar uma prática pedagógica?

A partir dessas questões analiso, no capítulo do livro, algumas pedagogias da performance realizadas em cursos e workshops tais como a metodologia de La Pocha Nostra do México e o método performático da performer norte-americana Marina Abramovich. Além disso, faço um breve relato e análise de uma prática de pedagogia da performance realizada por mim com estudantes do curso de graduação em Licenciatura em Teatro na disciplina Estudos da Performance que aconteceu durante a pandemia Covid 19 em meio remoto. É possível presença? O que é presença? Como desnaturalizar o olhar num mundo já desnaturalizado? São questionamentos que discuto ao falar sobre as práticas de performances. Assim, convido você leitor/a para ler esse artigo que convoca a um olhar crítico e reflexivo sobre a performance como uma forma de conhecimento e prática artística, oferecendo perspectivas sobre sua potencialidade pedagógica transformadora no campo das artes. Fica o convite à leitura do livro no link:

https://drive.google.com/file/d/1CP_eG_3Ve_9XoiiLFe6GWgS7clTeEWc7/view

 

Richard Schechner e Lúcia Martins. Universidade Autônoma da cidade do México - UNAM (2019). Crédito da imagem: Lúcia Helena Martins. Acervo pessoal.


 

Fala-manifesto no Encontro da Rede Paranaense do Teatro de Rua. Rua XV de Novembro. 2019. Crédito da imagem: Lúcia Helena Martins. Acervo pessoal.

 

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Lúcia Helena Martins é Professora-artista, pesquisadora, performer e diretora teatral. Docente (CRES) do curso de Teatro da UNESPAR - Curitiba II (desde 2012 até a atualidade). Doutora em Teatro pela UDESC / Bolsista da CAPES: Programa de Demanda Social (2022). Mestre em Teoria Literária pela UNIANDRADE (2012).

 

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